Fui artista residente do Projeto Rizoma na Galeria Andréa Rehder durante o mês de agosto de 2019.

Quando Alice Lara me convidou para participar do projeto Rizoma — um programa de residência artística dentro da Galeria Andrea Rehder fiquei contente mas, confesso, um pouco cismada: o que faria na galeria que não faria no meu ateliê (que fica a 20 minutos de bicicleta)?

Suponho que o espírito de uma residência artística se dê na intensidade da permanência — deve ser por isso que a palavra faça referência à morada, um local para se desenvolver um trabalho de forma vigorosa, de preferência diário, o qual se destaca mais o processo do que o resultado.

A despeito de meu ateliê ser relativamente próximo à galeria, ele não se encontra num local tão fácil de acessar como a galeria (que fica ao lado de uma avenida importante da cidade de São Paulo) e, como eu já estava envolvida numa série de retratos em aquarela, pensei que fosse enfim a grande oportunidade de vivenciar a experiência do retrato com a intensidade que eu nunca consegui atingir: poderia me valer desse fácil acesso, como também da própria excentricidade da situação e marcar horários com sete pessoas para que elas, ao longo desse um mês de residência, posassem para sessões de retrato de duas horas cada dia, totalizando quatro sessões ao final. De certa forma pude experimentar algo parecido com um dentista ou um profissional que marca horário na agenda, e organiza os retornos, tendo horários fixos para cada atendimento – algo inusitado para a prática do artista. A galeria, por sua vez, me recebeu muito bem e permitiu que trabalhasse com muita liberdade — inclusive nos horários, pois me foram dadas suas chaves o que me dava acesso ao novo “ateliê” na hora que mais conveniente para mim e para os modelos.

Residência artística tem duas esferas: a nuclear, oficial, na qual acordam instituição e artista o que será desenvolvido, o tempo e os resultados esperados; e a atmosfera que circunda esse núcleo, que se dá na medida do inesperado, dos encontros não planejados, de tudo que não foi calculado mas que, no fundo, é o que o artista procura quando aceita o convite de ser residente. Essa atmosfera não calculada se dá fundamentalmente pela relação com as pessoas que orbitarão o fazer desse ateliê temporário, são elas que trazem a riqueza do olhar do outro, de outras referências poéticas.

Já era sabido então, que Henrique Detomi (também a convite de Alice) iria trabalhar na sala ao lado. Já éramos amigos, mas esse laço se fortaleceu em torno da pintura — ele com suas  belas paisagens a óleo e eu com as aquarelas e as pessoas. Os modelos que vinham posar, ficavam um pouco mais para o desfrutar do café de máquina da galeria,  acabavam também convivendo com Henrique e seu ateliê. Não foram poucas as horas que passamos em papos riquíssimos com essas pessoas. Por outro lado, importante dizer que, nas horas de trabalho, nos permitíamos silêncio e concentração, cada um em sua sala.

Esse um mês de trabalho, por todo agosto de 2019, rendeu-me sete pinturas de aquarela em grande formato (100x70cm). Os trabalhos puderam ser vistos em duas oportunidades: no evento de encerramento da residência — uma tarde de um sábado, quando Henrique e eu pudemos mostrar toda a produção — e  na exposição coletiva do Rizoma — quando os artistas do segundo semestre de 2019, Marcelo Gandhi, Fernando Soares, Manuela Leite e Cristina Ataíde, além de mim e Henrique, expusemos parte da produção, sob curadoria de Helô Sanvoy.

Ter feito parte (e me considerar ainda parte) desse projeto é afinal a maior motivação para me orgulhar dele: o rizoma se entrelaça de forma afetuosa e potencializa a poética individual de cada artista, ao mesmo tempo que os coloca em rede, inclusive com os outros que  vieram antes e os que virão em seguida. Vida longa ao projeto Rizoma!