Veículo de Viagem é o nome da exposição que fiz em outubro de 2014 na Galeria Mezanino com curadoria de Claudinei Roberto. Nessa exposição apresentei um conjunto de aquarelas e uma gravura que realizei após uma viagem à Chapada dos Veadeiros que fiz com a minha amiga Luanna Jimenez.
O conjunto de paisagens foi realizado no ateliê, com o recurso da obervação de fotografias que tirei durante a viagem ou da memória, como a série das aquarelas sobre papel Roma entituladas com o nome da exposição (Veículo de Viagem).
Uma das coisas que mais me interessou foi contrapor a jornada de sobreposições da aquarela feita em formatos maiores (a maior delas – Janela – tem 2m de largura) às aquarelas pequenas (11 cm de largura, como )feitas em poucas pinceladas.
Apesar da inspiração ser a paisagem dos Veadeiros, uma das aquarelas é da Chapada Diamantina. A aquarela “Quanta pretensão a minha — fazer um retrato seu” foi feita a partir de uma foto que tirei em 2.000, quando viajei para lá.
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Os trabalhos:
Abaixo, o texto do curador Claudinei Roberto:
Veículo de Viagem
“Que viagem,
ficar aqui
parada”
Alice Ruiz*
Qual o veículo de quem viaja? A pergunta soa estranha na sua singeleza, mas antecipa alguma surpresa. O inusitado da questão, existindo, reside nos múltiplos sentidos que a palavra “viagem” pode comportar. N’outros tempos o verbo viajar tinha quase sempre um sentido único: deslocar-se, voluntariamente, de um ponto a outro, em geral muito mais distante. Mais recentemente “viagem” passou a ter significados menos inocentes, mas igualmente práticos. Viajar é também sinônimo de um estado de êxtase provocado pelo consumo de aditivos sintetizados ou naturais. Daí que a definir o veículo de quem viaja é menos claro do que parece.
Mas se excetuarmos as opções mencionadas acima, viagem enquanto o ato de ir de um lugar a outro ou viagem como consequência da ingestão de alucinógenos, podemos pensar no “veículo” de quem viaja como sendo uma criação do viajante sem a qual a própria ideia de viagem não se realiza.
O da criação artistica solicita um veículo, um meio material para a concretização de um projeto. O veículo do qual se utiliza Danielle Noronha para a realização do trabalho exposto aqui na Galeria Mezanino é a aquarela. A aquarela é uma técnica de pintura exigente, com pigmentos que, diluídos n’água, constroem a cor a partir de sobreposições de camadas transparentes de tinta. Nessa operação o branco do papel é valorizado, pois dele irradia a luz fundamental à construção da cor.
Nesse caso, “veículo” e “viagem” se interseccionam numa realização que dá significado e sentido a ambos os fenômenos. Ao ocupar-se da aquarela, técnica a um só tempo delicada e exigente, a artista beneficia-se da espontaneidade que o veículo favorece, como nenhum outro, aliás, deixa a flor do papel a sua (dela) sensibilidade e engaja os sentidos de quem observa o resultado desse esforço.
O motivo? Paisagens, paisagens de lugares queridos, ermos, que não são apenas pretextos para um exercício de pintura. Eis que elas apresentam simbolicamente os ideais da artista em horizontes amplos, no risco consentido em desbravar os sítios visitados e pela fluidez da água corrente (tudo flui, se esvai, escorre). Alguns trabalhos resultam quase (quase?) em atos performáticos dada a grande escala que alguns possuem, trabalhos esses que atestam um esforço físico e logístico nada desprezível.
Considere que mais do que descrever as paisagens visitadas, as imagens produzidas por ela são impressões de memória, espécie de exercício de retrocognição que permite a ela reviver e oferecer-nos sua experiência, construindo com manchas uma presença. É a sua presença e a nossa também, se formos capazes de embarcar na viagem.
* Alice Ruiz em Literatura Comentada Poesia Jovem Anos 70